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Um Milhão de Pequenas Coisas

Aqueles tempos ficaram para trás, mas permanecem vivos no coração, intocados na memória, onde tudo ainda existe — como um relicário do que fomos e do que sempre seremos.

Publicada em 16/04/25 às 17:35h - 94 visualizações

Antonio Marcos de Souza


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Um Milhão de Pequenas Coisas
Sala de piso vermelho. Neto vendo sua avó torrando café na cozinha.  (Foto: Antonio Marcos de Souza)
Me peguei pensando, como tantas vezes quando o pensamento vagueia. Era uma manhã de domingo na casa dos meus avós, já morando com eles. Era costume encerar aquela sala com piso de cimento queimado vermelho — e não era qualquer vermelho. Tinha um brilho de fazer inveja a qualquer porcelanato moderno.

Todos os domingos pela manhã, pegávamos a pasta vermelha e, de joelhos no chão, começávamos o ritual de encerar com as mãos. Passávamos horas para deixá-lo brilhando. Lembro do orgulho da minha avó ao ver aquele piso reluzente.

No centro da sala havia sofás de dois e três lugares, e um móvel no centro com tampo de mármore com um jarro preto cintilante, com textura escamada que lembrava escamas de peixe. Dentro, rosas artificiais. Era um jarro lindo. Não sei como, mas meu irmão Daniel e eu — brincando ou limpando — acabamos derrubando o jarro. Pronto. Foi como sentir um arrepio na espinha. Sabíamos que, se nossa avó descobrisse, levaríamos uma surra. Na feira da Ponte foi o momento de tentar encontrar o mesmo Jarro para tentar substituir, mas em vão, até achamos um parecido, mas seria percebido de cara que não é o mesmo jarro.

Falando nisso... Aquela era a chamada “geração de ferro”. Respeitávamos pais e avós, e ao mesmo tempo tínhamos medo de desapontá-los. Levar uma surra fazia parte, mas ninguém saía traumatizado a ponto de precisar de anos de terapia ou psicólogos para curar "pseudo-traumas". Talvez porque nem houvesse tantos psicólogos como hoje, em cada esquina.

Hoje vivemos numa geração de cristal, onde tudo se quebra, tudo se ofende, tudo se traumatiza. Digo com orgulho que meus irmãos e eu somos sobreviventes. E, apesar das dores que vivemos, somos gratos por termos crescido naquela época.

Mas voltando ao jarro... Tivemos a ideia de colar os pedaços — até os micro-pedaços — com cola. E, por incrível que pareça, meus avós nunca perceberam que aquele lindo jarro tinha sido quebrado pelos netos. Ou talvez tenham percebido, afinal, as imperfeições e ranhuras estavam visíveis. Mas nunca disseram uma palavra.
Dormíamos no segundo quarto da casa, que se conectava por um corredor levemente inclinado até a segunda sala, também com um pequeno declive. Na sala de jantar, havia uma mesa com seis cadeiras, uma cama de solteiro encostada na parede — era onde minha tia dormia —, e uma geladeira posicionada ao lado de um paneleiro de duas portas.

Nessa sala, havia uma grande porta de madeira que isolava a pequena cozinha. Para acessá-la, descíamos uma escada de três degraus, diretamente ao chão. Lá dentro, reinava o fogão a carvão. De um lado, o reservatório de carvão; do outro, um latão de farinha e diversos utensílios que davam vida ao cotidiano. Um varal atravessava a cozinha, onde minha avó pendurava carne de sol, peixe e carne salgada como se fossem roupas — tudo ali era defumado naturalmente pelas panelas que ferviam no calor da lenha.

No canto, repousava um fogão convencional, que minha avó usava apenas em emergências. Seu verdadeiro amor era o fogão a lenha. Ao lado, uma pequena mesa acomodava pratos e utensílios. As panelas ficavam penduradas com cuidado num suporte na parede, e os potes de condimentos, farinhas e grãos estavam sempre organizados, como que guardando os segredos do sabor da casa.

O cheiro era inconfundível — a identidade de cada dia era definida pelo aroma vindo da lenha. Ainda guardo na alma o perfume do café torrado em casa. Minha avó derretia o açúcar até se transformar em caramelo e deixava esfriar. O café era torrado numa lata no quintal e depois levado ao pilão. Ali, o açúcar endurecido, em pedaços semelhantes a vidros de caramelo, era socado junto aos grãos de café. Sentado na escada, eu observava aquilo tudo com fascínio: o preparo de um café que hoje não se fabrica mais, e que, se eu pudesse, desejaria experimentar uma última vez — o sabor daquele café caramelizado, cristalizado, de aroma único e inesquecível.

São tantas memórias, mil e uma coisas que guardo com carinho e saudade. Uma riqueza de experiências que a geração de hoje talvez não conheça. Vivíamos de forma simples, mas éramos imensamente afortunados e felizes. Aqueles tempos ficaram para trás, mas permanecem vivos no coração, intocados na memória, onde tudo ainda existe — como um relicário do que fomos e do que sempre seremos.

Por: Antonio Marcos de Souza. 16 de abril de 2025



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