Correria é normal. Bastam dois minutos de prosa e logo se reconhece uma alma esgotada. A alegria de viver anda meio rara no mundo real. Estamos todos muito cansados, nos equilibrando entre os ponteiros do sistema, com saudade de um tempo que ficou ali, bem ali atrás.
Reclamar é normal. O cansaço é evidente, os problemas se agigantam. Nos perdemos entre corantes, conservantes, paralisantes de vivacidade. Corremos em câmera lenta. Corremos, mas não chegamos a lugar algum. A cama é o lugar mais cobiçado da nossa carne, sempre exausta.
Exigir é normal. Querem nossa atenção. Nosso tempo. Nosso sangue. Querem nosso sorriso, ainda que estejamos morrendo em dor. Querem nossa alma, mesmo a gente não sabendo em qual ponto da estrada ela soltou da nossa mão.
Falta leveza nesse mundo cão. Estão todos muito pesados.
Falta aquele olhar de pluma, aquele peso de borboleta sobre nossa alma, de gente que sorri com os olhos, abraça nosso mundo e em dois segundos transforma nossa angústia em cumplicidade.
Coisa boa é descobrir-se acompanhado, mesmo sem toque.
É saber-se observado de longe, é sentir-se apoiado no inferno.
Coisa boa é conhecer gente entendedora de silêncios, que não exige nosso melhor, que não exige nada, gente que se sente completa com a nossa presença. Por falar em presença, gente assim é presente. Presente da vida, com laço de fita vermelha, reluzente. É gente que chega quando estamos moídos, em mais de mil cacos, sem saber por onde recomeçar, já que temos que continuar na correria, ouvindo reclamações e exigências de todos os lados. Mas gente-presente-com-laço-de-fita-vermelha-reluzente sabe que o abraço ainda é a cola mais poderosa para remontar-nos, caco a caco.
Que na correria vazia dos nossos dias lotados não passemos batido pelo presente da vida. Abraços ainda curam. Neles, nossas almas se reencontram e retomam, aquecidas, a fria estrada.
Por Ludmila Clio.